terça-feira, 28 de julho de 2009

Andrade!

Eu vi Andrade jogar nos tempos áureos do meu Mengão. Digo que jogador como ele, hoje em dia, é difícil (ainda não encontrei) de se encontrar. Segue a emocionante crônica, de Aydano André Motta, sobre esse magistral jogador e que, com todo mérito, merece TODAS as oportunidades como técnico.

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Crônica de segunda

Aydano André Motta
Lágrimas de um príncipe da bola

Craque na antevéspera do desembarque dos bilhões de dólares e euros no mundo da bola, Andrade não ficou rico, como merecia. Equilibra-se na classe média com esforço, suando a camisa no time dos remediados, no duelo agravado pela infâmia dos salários atrasados que viraram DNA no Flamengo. Em campo, era ouro puro. Cabeça-de-área como não mais existe, marcava e atacava com igual magia, um espetáculo, cereja do bolo num time de almanaque. Não teve o devido sucesso na seleção exclusivamente pela trapaça da sorte, que o fez contemporâneo de Falcão e Toninho Cerezo. Tudo bem - quem o viu com a camisa 6 rubro-negra não se esquecerá nunca mais.

Hoje, Andrade seria multimilionário no alvorecer da idade adulta, como acontece, notícia velha, com qualquer Felipe Melo. A torrente de dinheiro que inunda o futebol (que não pararia em pé diante da mais branda investigação, mas isso é outra história) veio bem depois da sua aposentadoria. E o ex-superjogador vive dias plebeus, como auxiliar-técnico rubro-negro. Quis o destino que ele tapasse um buraco no permamente bundalelê do clube justamente numa partida difícil, fora de casa, com o Santos, algoz da vida inteira.

O Flamengo, zebra total, ganhou, vitória necessária, ainda que pouco decisiva, na monotonia dos pontos corridos. Os jogadores dos dois times encenaram as respostas protocolares, alegria e frustração contidas, desfiaram as declarações de sempre, receita desenxabida de bolo na era das reações pasteurizadas. Bem no meio deste deserto de sinceridade, Andrade chorou. Menos pela vitória, nada pelo sucesso efêmero no cargo que, desambicioso, não almeja. As lágrimas nascem da emoção de quem carrega na alma a devoção pelo jogo. Brasileiramente.

Andrade não tem Hummer para passar nos cobres, não se permite tropeços em negociatas com empresários, passa a léguas de amores hortifrutigranjeiros de uma tarde ou madrugada. Hoje, observa com a sabedoria dos cabelos brancos que sobem pelas têmporas o eterno bafafá das celebridades de ocasião em que se transformam, em 15 minutos ou menos, os boleiros mais desimportantes. Constata que alguns se enrolam na banalidade de um passe, muitos não sabem chutar, quase todos são incapazes de atuações magistrais como tantas que ele encenou, ao longo da vida.

Como no finzinho do inverno de 1981, na mágica noite em que o Flamengo enfrentou, num amistoso, o Boca Juniors de Diego Maradona, no Maracanã apinhado. No YouTube, o então melhor jogador do mundo aparece como figurante que não viu a bola - porque Andrade tomou-lhe todas (repare, lá embaixo, que o 10 argentino aparece apenas cercado pelo 6 rubro-negro). Naquela jornada, e em muitas outras pelo time mágico, conjugou a sutileza no roubar de bola com a precisão cirúrgica no jogo ofensivo, coadjuvante que merece - e leva - o Oscar.

Ontem, chorou - pelo amigo Zé Carlos, morto dois dias antes, cedo demais, cruel demais, de câncer; pela pressão que sufoca o clube, subjugado a uma interminável dinastia de trapalhões; e, sobretudo, pela ajudinha que deu ao seu time de coração. No caminhar ao vestiário e à provável volta para a sombra (já já vem outro técnico, e outro, e outro), exumou a elegância dos tempos de jogador, a sabedoria dos craques e, com o pranto de quem não tem vergonha de mostrar-se humano, a sinceridade desaparecida do futebol ultraprofissional.

Príncipe de anteontem, Andrade dá poucos autógrafos, anda pela rua sem maiores assédios, é (muito) menos paparicado do que merece. Mas entende o valor da vitória, e sabe quando ela exige que lágrimas corram pelo rosto. Chora, por ser do tempo em que se jogava por dinheiro sim - mas por amor também.

Dias que não voltam mais.

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